Comentário

Ainda a (não) esquecida<br>crise do euro

João Ferreira

Afastada das manchetes dos jornais desde há largos meses, a «crise do euro», e particularmente a sua expressão ao nível da «crise das dívidas soberanas», terá sido, dizem alguns, ultrapassada pela decisão (firme, garantem-nos) do eixo Frankfurt-Berlim-Bruxelas de «tudo fazer para defender o euro». Sem duvidar dos esforços que estão dispostos a dedicar ao salvamento deste seu instrumento de dominação e de exploração, será todavia apressado considerar este assunto arrumado. Na verdade, ao contrário do que muitos desejariam, este é um assunto que está longe de estar arrumado.

A razão da relativa acalmia das taxas de juro cobradas pelos «mercados» sobre as dívidas soberanas, face aos picos insanos registados há dois ou três anos, não será tanto a famosa «caixa-de-ferramentas» do Banco Central Europeu, nem as declarações do seu presidente de que se avançaria, se necessário, para a compra ilimitada de dívida (no mercado secundário), como forma de fazer baixar os juros. Sem menosprezar os efeitos desta decisão, a razão principal para esta relativa acalmia será outra. É que a crise capitalista e as suas manifestações aí estão. Aprofundam-se. A sobreacumulação de capital e a baixa tendencial da taxa de lucro contribuem para atrair «investidores» para o negócio da dívida soberana. Investidores em busca de rentabilidades que não encontram noutras áreas. A persistência de fracas rentabilidades à escala global leva a que sempre alguns capitais se disponham a arriscar «estacionar» nalgumas dívidas soberanas, por muito insolventes que a médio-longo prazo se afigurem os respectivos estados. E este, na verdade, até tem sido um excelente negócio para muitos. Que o digam os bancos portugueses que, tendo recebido milhões do BCE a juros módicos, têm mantido a economia real seca de crédito ao mesmo tempo que foram compondo os seus balanços com os generosos resultados de investimentos em dívida soberana.

Entretanto, os juros impostos a países como Portugal e a Grécia, ou mesmo a Irlanda, a Espanha, Chipre e outros, sendo mais baixos do que há dois ou três anos, são ainda insuportavelmente altos. A recessão ou estagnação que estes países enfrentam, agravada pelos programas UE-FMI, e a perspectiva de estagnação (ou mesmo ainda recessão) no futuro próximo, levam ao inexorável e imparável aumento do peso da dívida e dos encargos com o seu serviço. A dinâmica de insolvência persiste e só se agravou com as intervenções da UE e do FMI. Ademais, nada foi feito para, por um lado, acabar com a dependência dos 2stados face aos «mercados», nem, por outro lado, superar a divergência (os «desequilíbrios macroeconómicos») entre os países da zona euro. Pelo contrário, as medidas postas em marcha no âmbito do Tratado Orçamental e da chamada Governação Económica acentuarão desequilíbrios e desigualdades.

Mais tarde ou mais cedo, inevitavelmente, efeitos bruscos desta imparável dinâmica de divergência (e de insolvência para vários estados) irromperão. A reconfiguração da zona euro será, com grande probabilidade, um deles. Quando o ganho que o directório do centro (comandado pela Alemanha) tiver com a configuração actual do euro for menor do que os custos de manutenção no «clube» de economias periféricas (algumas arrasadas), com mercados pequenos e deprimidos, essa reconfiguração – chutando borda fora os pesos-mortos – será uma possibilidade bem real.

Daí a importância da adopção de medidas que preparem o País face a qualquer reconfiguração da zona euro – orientação definida na resolução política do XIX Congresso. Uma preparação que deve ser feita não apenas em face destes possíveis desenvolvimentos da crise da UE, mas também em nome de uma saída de Portugal do euro por decisão própria – dada a incompatibilidade radical entre a permanência no euro forte e na União Económica e Monetária, e a política alternativa, patriótica e de esquerda, que propomos ao povo português. Uma preparação que junte à recusa de ilusões federalistas quanto à viabilidade desta política alternativa com a manutenção no euro e na UEM, a recusa de que tudo se resolve com uma saída pura e simples do euro, qualquer que seja a forma como se sai e as condições de saída. É a extrema importância da forma como se sai que torna imperiosa uma cuidadosa preparação. Para a concretização de uma saída que salvaguarde os interesses dos trabalhadores e do povo português, em lugar de os ofender ainda mais.

 



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